A Micropolis surgiu oficialmente em 2002, como spin-off da Universidade do Minho com o objetivo de produzir e comercializar microcápsulas desenvolvidas pelo Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil.

Em 2008, o trabalho de investigação e a tecnologia inovadora que tinha sido desenvolvida chamou a atenção do grupo belga Devan Chemicals, especializado em tecnologia sustentável para a indústria têxtil. Três meses depois surgia a Devan-Micropolis, unidade portuguesa do grupo internacional que assumia agora todos os projetos de investigação e desenvolvimento de microencapsulação, com apoio da casa mãe e de outras unidades, na Inglaterra e nos Estados Unidos da América.

Raquel Vaz Vieira, que começou o seu percurso na empresa em 2003, acompanhou de perto toda esta transformação. Foi com esta ex-aluna da licenciatura de Química Aplicada e do mestrado em Química Têxtil que falamos para conhecer melhor o crescimento exponencial desta spin-off, que é hoje um centro de excelência de know-how em microencapsulação e da sua aplicação em materiais têxteis.​

RAQUEL.jpg Raquel Vaz Vieira - ​​Gestora da Unidade de Negócios de Microcápsulas da Devan Chemicals

Fale-me sobre o início da Micropolis? Quem foram os seus fundadores? Quais eram as expectativas nessa altura?

A Micropolis, S.A. era uma empresa vocacionada para a produção e desenvolvimento de microcápsulas. Criada pelo Professor Jaime Rocha Gomes e pelo investigador Carlos Lima, com a colaboração do químico Pedro Santos, a empresa tinha por principal objetivo a investigação e desenvolvimento de microcápsulas. Nessa altura, em 2001, a Micropolis candidatou-se ao programa Smart Tulip. Este programa visava projetar ideias criadas no seio das Universidades para a sociedade civil (os chamados spin-offs académicos), tendo sido mentores desse projeto a Tecminho e a PME Capital. A Micropolis obteve o primeiro prémio e suscitou o interesse da PME Capital, com uma microcápsula em especial, a microcápsula de PCM (Phase Change Materials).

Estas microcápsulas de PCM começaram por aparecer no mercado americano, sendo comercializadas por duas empresas norte-americanas que detinham o monopólio deste produto, protegido por duas patentes mundiais. Refira-se que as microcápsulas de PCM funcionam quando aplicadas em artigos têxteis como reguladores térmicos do corpo humano, isto é, mediante certas condições, não deixam o corpo arrefecer ou sobreaquecer, mantendo-o numa temperatura de conforto. A nível nacional, estas microcápsulas já vinham a ser investigadas na Universidade do Minho, sob a direção do Professor Jaime Rocha Gomes, desde 1996. Dessa investigação, que se prolongou por cerca de quatro anos, surgiu um pedido de patente mundial de aplicação das microcápsulas de PCM a substratos têxteis, permitindo assim iniciar o processo tendente à sua industrialização e comercialização.

Em finais de 2002, a Micropolis decidiu alterar a sua forma jurídica de sociedade por quotas para sociedade anónima, por ser esta a forma que mais se adequava aos seus objetivos de crescimento. A concretização deste processo ocorreu em junho de 2003, altura em que entraram para o capital da sociedade três novos acionistas: a PME Capital – Sociedade Portuguesa de Capital de Risco, SA, Pedro Santos e Adelino Abrunhosa.  Fundamental ao desenvolvimento da sociedade, foi necessário criar uma estrutura de recursos humanos altamente qualificados, iniciar o up scaling na produção das microcápsulas e estabelecer uma rede de contactos, quer nacionais quer internacionais. A aposta da sociedade assentava em dois vetores primordiais, a investigação e desenvolvimento de novos produtos e aplicações na área das microcápsulas e a tentativa de comercialização dos produtos já desenvolvidos. Adicionalmente, existia uma outra microcápsula com um potencial elevado para o mercado que era a microcápsula de fragrâncias.​

O que são microcápsulas e qual é a sua aplicabilidade?

Microcápsulas são partículas de dimensões micrométricas que resultam de um processo de recobrimento de substâncias ativas, que podem estar no estado sólido, líquido em forma de gotas ou gasoso por uma camada protetora. A camada inerte isola a substância ativa do ambiente externo com objetivo de obter libertação de forma controlada, mascarar propriedades desagradáveis de certas substâncias, proteger o material que será encapsulado da oxidação, luz, humidade, reter substâncias voláteis, converter líquidos em sólidos, entre outros. Com a finalidade de agregar propriedades de conforto térmico, os phase change materials são encapsulados para ficarem protegidos do meio ambiente e, dessa forma, poderem atuar de forma permanente como agentes proactivos na termoregulação térmica dos materiais têxteis. Aromas, repelente de insetos, antimicrobianos são encapsulados para poderem ser libertados de forma contínua e, por longos períodos de tempo, conferirem propriedades durante o tempo de vida do artigo têxtil. As microcápsulas são um veiculo inovador e durável na funcionalização de materiais têxteis de alto valor acrescentado.

Nessa altura dedicavam-se apenas à comercialização de microcápsulas ou tinham outro tipo de produtos disponíveis?

A Micropolis dedicava-se exclusivamente à produção e aplicação de microcápsulas nos materiais têxteis de alto valor acrescentado. A tecnologia permitia a encapsulação de vários princípios ativos e posterior aplicação através de uma tecnologia reativa a materiais têxteis, conferindo uma permanente funcionalização durável durante o tempo de vida útil do artigo. De entre os vários princípios ativos, destacavam-se os materiais de mudança de fase para funcionalidades térmicas, bem como as fragrâncias e skincare para aromaterapia e repelentes a insetos. Outros produtos comercializados pela Micropolis são os protetores de cores ao ataque dos peróxidos de hidrogénio e da luz, que embora não sejam microcápsulas eram produtos altamente funcionais e patenteados em Portugal.

Em 2008 o grupo Devan Chemicals, especializado em tecnologia sustentável para a indústria têxtil, comprou a Micropolis. Fale-me um pouco sobre este processo: Como surgiu a oportunidade, que mudanças houve e o que é que representou para a spin-off?

A oportunidade surgiu através de uma parceria com um potencial cliente brasileiro que apresentou a Micropolis ao grupo Devan como empresa de microcápsulas de produtos de mudança de fase (PCMs) como uma tecnologia inovadora. A partir desse contato, surgiram reuniões e a empresa belga ficou muito interessada na spin-off e, num período de tempo muito curto (3 meses), finalizou na sua aquisição.

Para a Micropolis representou a integração e expansão numa empresa internacional com um networking comercial muito forte que permitiria introduzir no mercado as tecnologias, até então de laboratório, com uma força de marketing que até então não teria sido possível. Foi uma integração muito construtiva e vantajosa para toda a equipa e para o grupo Devan. Trouxemos ao grupo, uma equipa jovem, dinamizadora, com know-how numa área emergente como a microencapsulação, uma tecnologia patenteada e diferenciadora no mercado.

Como funciona a Devan Micropolis hoje? Desenvolve a sua investigação e tecnologia própria ou funciona como uma extensão dos projetos existentes no grupo?

A Devan-Micropolis, sedeada em Moreira da Maia, é hoje o centro de excelência de know-how de microencapsulação e sua aplicação aos materiais têxteis. Todos os projetos de investigação e desenvolvimento de microencapsulação são desenvolvidos nesta unidade com algum apoio internacional como a casa mãe belga e as nossas outras unidades (Inglaterra e Estados Unidos da América). Efetua também todo o controlo de qualidade dos produtos vendidos nas amostras dos clientes. Todo o serviço durante a venda e pós-venda dos produtos encapsulados é efetuado nesta unidade. Assim sendo, temos uma equipa de R&D estratégico (trabalhando nos projetos a 1-3-5 anos) e a equipa de short term e suporte a clientes que trabalha nos projetos mais a curto prazo (0-6 meses), bem como qualificação e reclamações. Temos também a função de gestão de departamento de microcápsulas que faz toda a gestão comercial e técnica dos produtos que engloba estratégias de mercado, produto/cliente/preço, bem como a inovação e posicionamento de mercado que é feito com os colegas de vendas, marketing e gestão da empresa mãe e associadas. Temos também um recurso humano a trabalhar nas vendas/marketing no mercado do bedding Europa que faz todo o desenvolvimento de negócio neste mercado para os encapsulados, em colaboração como os colegas internacionais.

DEVANPT.jpg  Equipa Devan-Micropolis​ 

Quantos pessoas trabalham na sede portuguesa e qual a sua formação académica?

11 pessoas: 2 doutorados em Engenharia Química, 4 mestres (1 em Química Têxtil, 1 em Química de Plásticos e 2 em Engenharia Química), 1 licenciado em Marketing e outro em Engenharia Informática (em falta na fotografia)​, 1 administrativa e 2 técnicos com especialização em Química Têxtil.

Que tipo de projetos estão a desenvolver de momento?

Temos vários projetos inovadores, mas seleciono 3 prioritários:

O nosso core –business prende-se com tecnologias que visam aumentar o conforto dos utilizadores, bem como providenciar proteção com a utilização de tecnologias amigas do ambiente. Temos projetos inovadores que aumentam a qualidade e tempo do sono dos consumidores finais através de maior conforto térmico e de controlo de humidade nos seus colchões.  

Outro projeto visa a proteção contra alergénios por utilização de tecnologias amigas do ambiente, de origem natural, como bactérias próbióticas encapsuladas que se alimentam dos excrementos das estirpes nocivas, permitindo a ocupação do espaço sem recorrer a ação biocida.

O terceiro projeto inovador assenta na eliminação de maus odores através de uma tecnologia inovadora que permite a eliminação permanente através de uma combinação de variadas tecnologias que atuam de forma complementar nas moléculas que provocam o mau odor sem recurso, mais uma vez, a agentes biocidas.

Que balanço faz da evolução da spin-off até aos dias de hoje?

O balanço é muito positivo, um crescimento significativo, uma vez que em 2008 praticamente não tínhamos clientes e, atualmente, as tecnologias de microencapsulação contribuem com 40-50% do turnover do grupo Devan atingindo os 11 milhões de euros em 2015.

Como e quando começou o seu percurso nesta empresa e qual é a sua função atual?

Comecei o meu percurso como estagiária em 2003 para finalização da licenciatura de Química, ramo de materiais têxteis, no grupo de trabalho do Prof. Jaime Rocha Gomes, no Departamento de Engenharia Têxtil da Universidade do Minho. Terminado o estágio, iniciei uma bolsa de investigação num projeto financiado pela FCT e, paralelamente, frequentei o mestrado em Materiais Funcionais. A tese de mestrado, bem como o trabalho de equipa desenvolvido pela Micropolis, permitiu acreditar de que seria possível revolucionar o mercado dos materiais funcionais através da aplicação de microcápsulas reativas que permitissem uma reação permanente nos materiais com elevada durabilidade as lavagens. Assim sendo, surge a primeira patente que permitiu agregar valor ao nível dos materiais funcionais de alto valor acrescentado. Em 2007, assumi o lugar de direção técnica e, em 2008, aquando da integração do grupo Devan assumi a gestão técnica de produto a nível global, com funções de vendas no mercado sul americano. Em 2011, iniciei a gestão desta unidade em Portugal, e desde de 2011, com foco em funções de gestão comercial e técnica desta unidade de negócio a nível global.

  Grupo da Devan Chemicals no seu novo edifício, em Ronse, ​na Bélgica

Que projeto considera ter sido o mais interessante que desenvolveu até agora?

Sem dúvida que o projeto mais interessante foi a implementação de uma tecnologia aparentemente "demasiado teórica e cara" no mercado dos materiais têxteis que trouxe uma mais valia de conforto ao consumidor significativo na sua qualidade de sono. Com a tecnologia THERMIC conseguimos resolver um problema dos colchões como sendo "quentes e desconfortáveis" para um colchão "frio" que permitiu revolucionar o mercado das espumas de poliuretano, bem como os tecidos que revestem o mesmo, tendo como consequência um melhoramento do sono dos consumidores finais.

É licenciada em Química Aplicada e tem um mestrado em Química Têxtil pela UMinho. Que importância teve a sua passagem por esta academia para a sua carreira profissional?

A licenciatura bem como o mestrado acentuou o meu gosto pela descoberta e trouxe-me o prazer da investigação e desenvolvimento mais aplicado a necessidades reais. Todos os conteúdos abordados e experiência prática laboratorial foram fundamentais para a capacidade de trabalho na análise, pesquisa e trabalho químico experimental fundamental para o sucesso da investigação, desenvolvimento e aplicação das tecnologias. As bases e ferramentas foram dadas, depois, seguiu-se a aplicação com a mesma motivação que outrora me ensinaram na academia e em casa.

 Quando decidiu ingressar no ensino superior, o que o motivou a escolher a Universidade do Minho?

A Universidade do Minho era uma instituição de referência com a possibilidade de fazer Química mais aplicada, e também o facto de ser próxima da minha localidade de residência levou-me a selecionar essa academia.

Mantem algum tipo de relação com esta Universidade?

Sim, continuamos a utilizar semanalmente o Microscópio Eletrónico da Universidade do Minho para todas as nossas análises e alguns contactos com a equipa de transferência de tecnologia para possíveis parcerias, bem como com o departamento de Engenharia Têxtil com alguns projetos em conjunto.

Que memórias guarda da sua passagem por esta academia?

Excelentes memórias de momentos bem passados em trabalho de equipa e de lazer com muito divertimento com os amigos. Houve tempo de qualidade para trabalho, mas também de lazer.

O que representa para si ser alumna da UMinho?

E com grande orgulho que sou uma alumna da Universidade do Minho, entidade que me tratou com muito respeito e que tentei sempre retribuir com a minha dedicação enquanto aluna e profissional.​


* Artigo da rubrica Ecossistema de Inovação e Empreendedorismo da News​​letter Nós Alumni, desenvolvido em parceria com a TecMinho ​​

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