Nos últimos anos têm vindo a observar-se grandes mudanças nos comportamentos e estilos de vida das crianças, com particular expressão nos hábitos alimentares e na atividade física. A promoção da saúde, particularmente no âmbito da educação alimentar, tem-se manifestado extremamente eficaz quando desenvolvida em idades precoces, partindo da premissa que crianças saudáveis se tornarão adultos saudáveis. 

Foi neste contexto que surgiu o projeto SMILE-Kids (Simple Measures and Interventions Lead to hEalthier-Kids), uma iniciativa do Núcleo de Investigação em Enfermagem que, durante mais de um ano, esteve em várias creches do concelho de Braga a avaliar o impacto de um programa de intervenção relacionado com a alimentação​, baseado em competências de pais e educadores de infância, no crescimento e desenvolvimento da criança, bem como na adesão a novos alimentos na primeira infância.​

Rafaela Rosário,  professora da Escola Superior de Enfermagem, investigadora e também responsável pelo SMILE-Kids, falou com a NÓS Alumni sobre este ambicioso projeto que envolveu o esforço de educadores, pais e crianças, unidos pela melhoria da saúde infantil. ​

Como surgiu o SMILE-Kids (Simple Measures and Interventions Lead to Healthier-Kids)?
Este projeto surgiu no seguimento de uma investigação que envolveu escolas do primeiro ciclo do ensino básico de Guimarães. Avaliámos crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos de idade e verificámos que a prevalência do excesso de peso e obesidade seguia as tendências nacionais, 3 em cada 10 crianças tinham excesso de peso e obesidade. Movidos pelo interesse crescente de prevenir esta problemática e promover estilos de vida saudáveis, e, sabendo que as últimas décadas foram pautadas por mudanças profundas e ímpares na família, com a entrada cada vez mais precoce da criança nos contextos de educação e de cuidados para crianças, como a creche, decidimos (eu em conjunto com um grupo de colegas da ESE) desenvolver a investigação que veio a assumir o nome de "SMILE-kids". Esta investigação envolveu crianças, família e educadores de creches do concelho de Braga.

Quem são os seus investigadores?
Cristina Martins, Fátima Martins, Goreti Mendes, Rafaela Rosário e Analisa Candeias (da direita para a esquerda na fotografia). Embora no desenho inicial, em 2012, estivéssemos mais investigadores, do início até à atualidade somos estes.

smiley kids 3.jpg​​Entre dezembro de 2013 e fevereiro 2014 o SMILE-Kids esteve em algumas creches de Braga a estudar os comportamentos alimentares das crianças e dos seus familiares. Fale-me um pouco deste estudo: creches, crianças, familiares e educadores envolvidos, programas de intervenção, parcerias estabelecidas, etc.

O principal objetivo desta investigação foi avaliar o impacto de um programa de intervenção, baseado em competências de pais e educadores de infância relacionadas com a alimentação, no crescimento, desenvolvimento e adesão a novos alimentos na primeira infância.

Os pais das crianças dos 5 aos 12 meses de idade foram convidados a participar no estudo. Tratou-se de um estudo randomizado, cuja unidade de randomização para grupos controlo e intervenção foi a creche, com o intuito de minimizar a contaminação entre as crianças. Ocorreram dois períodos de avaliação antes e após a intervenção.
A recolha de dados foi efetuada pelos investigadores e incluiu questionários (preenchido por pais e educadores de infância) e a avaliação antropométrica..
Os pais e educadores de infância das crianças do grupo de intervenção receberam sessões de educação e formação através de um programa educativo desenvolvido pela equipa de investigação e que procurou responder às necessidades dos intervenientes. Abordamos temas relacionados com a alimentação, diversificação alimentar, desenvolvimento e crescimento da criança. No final da oficina de formação, os educadores realizaram tarefas de experimentação sobre os conteúdos abordados, junto das crianças (e pais) nas creches, num processo cíclico de formação/ação. As intervenções/atividades desenvolvidas foram posteriormente apresentadas, discutidas e avaliadas por todas os participantes e investigadores. A cada educador foi, ainda, solicitada uma reflexão final sobre a metodologia utilizada na oficina de formação, os aspetos positivos e os que mereciam ser melhorados.
Estabelecemos parcerias com a maioria das creches IPSS de Braga. Participamos em muitas reuniões de pais nas diferentes instituições, para abordarmos o projeto e confirmamos que há muitas dúvidas sobre a alimentação no primeiro ano de vida por parte dos pais e das creches.​

Como foi adesão das crianças a novos alimentos e o feedback dos pais e educadores neste processo?
Partimos do pressuposto que profissionais mais capacitados conseguem intervir de forma mais adequada e eficaz junto da família da criança. Os pais e educadores vêem-se confrontados com informação diversa, algumas vezes antagónica. Iniciar a diversificação com sopa, fruta, papa, aos 4 ou aos 6 meses, são alguns dos dilemas para quem tem uma criança com esta faixa etária. Ainda estamos a analisar os dados da investigação. De modo informal, fomos abordados por diversos pais e educadores para esclarecermos questões relacionadas com estas temáticas.

Quais foram os resultados deste estudo, apresentados no I Congresso Internacional de Investigação em Saúde da Criança, que se realizou em novembro de 2015?​
No Congresso foi apresentada a avaliação feita pelos educadores de infância sobre as sessões de educação e formação em que estiveram envolvidos. Não posso deixar de realçar o relato de uma das educadoras que esteve envolvida nesta investigação "foi um ótimo ponto de partida para reforçar laços com as famílias das nossas crianças, partilhar ideias e renovar conceitos que, tal como nesta formação fomos aperfeiçoando".

Poster-2.png 

Que repercussão teve e quais são os próximos passos?

Nenhuma das investigadoras ficou indiferente ao SMILE-kids. É um projeto muito ambicioso e com um trabalho de campo muito exigente ao nível da recolha de dados, formação de educadores, intervenção no contexto de creche, envolvimento dos pais e crianças. Para mim em particular foi um crescimento marcante e inesquecível.Como perspetiva futura é lutar por financiamento em programas nacionais e internacionais, fortalecer a rede que construímos nestes últimos anos e encontrar estratégias diferentes e inovadoras para envolver a família. É um desejo manter as mãos dadas com a promoção da saúde e a Escola. Quem sabe não se criam condições para, no âmbito da formação avançada, ser possível abrir um segundo ciclo no domínio da Saúde na Escola?

Como investigadora, com cerca de 40 publicações científicas, tem-se debruçado bastante sobre a obesidade infantil, hábitos alimentares e atividade física das crianças, assim como o impacto dos educadores e das escolas na promoção de práticas saudáveis. Porquê estas temáticas?

É uma excelente questão com uma resposta muito simples. Não fico indiferente a um artigo, a um projeto que envolva as áreas que evidenciou. Sorrio, espanto-me e quero saber mais. Fico mesmo feliz ao escrever sobre este domínio.

Até que ponto considera que a sua investigação possa ter impacto em medidas mais estruturantes a nível nacional?

Creio que há um caminho a percorrer e que pequenas mudanças podem massificar-se. Continuo a escrever e a produzir artigos que se espera que contribuam para esta massificação. Há alguns indícios de que o trabalho desenvolvido por profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros, em contexto de creche ou na escola começa a desenvolver-se. Estou certa que num futuro próximo esta seja uma realidade como acontece noutros países como nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Licenciou-se em Enfermagem e tirou doutoramento em Estudos da Criança, especialidade de Saúde Infantil, na UMinho. Porque a opção por esta instituição para os seus estudos?

A UMinho é uma referência no panorama nacional e internacional. Ao nível da formação inicial, considero que a Escola de Enfermagem é ímpar no panorama nacional, pela pedagogia centrada nos estudantes, pela investigação que tem vindo a fortalecer-se e pela interação com a sociedade marcante.

O doutoramento, também nesta Universidade, decorre da minha paixão crescente pela temática da criança, escola e família, num centro de investigação único e de excelência em Portugal e com reconhecimento mundial.

RafaelaRosario.jpgNeste momento é investigadora do Centro de Investigação em Enfermagem e docente da Escola Superior de Enfermagem. Que importância teve e tem a hoje esta academia na sua vida.

A​ academia é onde me realizo profissionalmente, onde me encontro, descubro e sonho a minha vida profissional. É uma honra contribuir para o percurso académico de futuros enfermeiros, desenhar e criar novos projetos de investigação, contribuindo com massa crítica para a resposta a questões da atualidade; manter e fortalecer a colaboração com as creches e escolas do ensino básico e secundário, na promoção da cultura científica.

 ​