Noel de Miranda tem 33 anos e nasceu na Póvoa de Varzim. Depois da licenciatura em Biologia Aplicada na Universidade do Minho, ingressou no Centro Médico da Universidade de Leiden, na Holanda, para desenvolver um doutoramento relacionado com o cancro colorrectal. 

Realizou ainda um pós-doutoramento no Instituto Karolinska, na Suécia. Hoje é investigador no Centro Médico da Universidade de Leiden, onde se dedica ao estudo de genética e imunologia em cancro colorrectal. 

Já publicou 27 artigos em revistas científicas internacionais e, recentemente, conseguiu uma bolsa de 430 mil euros para prosseguir a sua investigação, numa distinção atribuída pela Fundação Alpe d'HuZes em conjunto com a Sociedade Holandesa de Cancro.

E tudo começou na Universidade do Minho. Há quantos anos?
Começou há cerca de 15 anos. Na verdade eu até passei um ano pela Universidade de Évora e daí é que fui transferido para a Universidade do Minho. Na altura transferi-me para a UMinho porque tinha um número de cadeiras que tinham mais a ver com aquilo que eu queria fazer no futuro.

E ainda se lembra do miúdo que era na altura em que entrou na UMinho? Quais foram as sensações?
Na altura as prioridades eram mais conhecer as pessoas, adaptar-me a um novo tipo de vida mais independente, sem estar em casa dos pais. Levar o percurso académico mais a sério, isso só veio nos últimos anos, no 3º ou 4º ano do curso. 

Pode dizer-se que correu bem essa integração?
Correu muito bem. Tive muito prazer em ter tirado o curso em Braga. Fiz grandes amigos aqui também. 

E enquanto aluno, era discreto, mais estudioso ou era academicamente ativo?
Eu nunca participei muito nas tradições até porque fui praxado em Évora e depois vir para outra Universidade e entrar na tradição académica é um bocado estranho. Em relação às aulas era um aluno normal. Podia ser um aluno que me esforçasse um bocadinho mais, mas eu nunca fui muito do tipo de ir ouvir professores contarem o que se podia ler nos livros.

Era mais proativo?
Gostava mais da parte prática dos cursos do que da parte teórica. 

Do que é que sente mais saudades desse percurso académico nos primeiros anos?
Do contacto com os amigos e da vida que também se faz fora da Universidade. 

O curso foi aquilo que esperava?
Foi, foi um curso que me preparou bem para o futuro. No final do curso, quando fui lá para fora, senti-me com as bases adequadas para trabalhar. 

Conte-nos um pouco daquilo que foi esse percurso. Terminado o curso e a formação na UMinho como é que foi encarar uma nova fase de formação, inicialmente, até se tornar aquilo que é hoje?
Eu já sai da Universidade e fui lá para fora mesmo antes de acabar o curso porque fiz o estágio curricular do ultimo ano como estudante de Erasmus já na Universidade de Leiden e, exatamente, no mesmo departamento onde estou hoje. Eles gostaram do trabalho que fiz durante 6 meses e depois convidaram-me para voltar durante 1 ano e só depois desse ano então iniciei o Doutoramento na Universidade. Portanto também foi muito importante este protocolo que a UMinho tinha com a Universidade de Leiden, na altura. 

Depois deste início foi fundamental estudar no exterior e contactar com outras Universidades que têm outras referências de nível internacional?
Sim, acho extremamente importante e não precisa de ser uma Universidade que tenha uma projeção maior ou menor. Tem mais a ver com expormo-nos a ambientes, pessoas e culturas diferentes e acho que é dessa forma que podemos crescer mais. Portanto as pessoas devem mudar de sítio, devem sair da zona de conforto e, realmente, experienciarem situações diferentes.

Também é da opinião que o intercâmbio internacional hoje está muito mais facilitado pelas tecnologias, pelos contactos fáceis ou ir aos locais continua a ser fundamental?
Hoje em dia é muito fácil uma pessoa perceber para onde vai, mesmo com coisas muito práticas, como na altura foi bastante difícil para mim arranjar casa em Leiden ou perceber que tipo de ambiente se vivia lá. Hoje em dia uma pessoa vai a internet e consegue retirar qualquer tipo de informação e quando chega a algúm sítio parece que já o conhece e é muito mais fácil, hoje em dia, haver este intercâmbio. 

Este trabalho que tem desenvolvido, no âmbito do cancro colorrectal acaba por lhe garantir um estatuto de cientista. Hoje pode dizer que aos 33 anos é um investigador de referência nesta área. Já se sente como sendo alguém que é ouvido nesta área de investigação em particular?
Eu não penso muito desse ponto de vista. Sim, tenho ganho alguma credibilidade pelos trabalhos que publico, mas essencialmente, tenho prazer em poder fazer aquilo de que gosto e não me vejo a fazer outra coisa. O que me satisfaz mais das coisas estarem a correr bem é realmente saber que, provavelmente, no futuro vou poder continuar a fazer o mesmo. Claro que o reconhecimento é sempre importante, tal como o reconhecimento que se obtêm através dos prémios que se ganham até porque fornecem o dinheiro necessário para podermos fazer a investigação, mas não passo tanto tempo preocupado com o reconhecimento dos outros, apenas tenho prazer no que estou a fazer. 

Relativamente àquilo que está a fazer, e agora mais do ponto de vista técnico e científico, em que medida é que o seu trabalho pode ser importante para o combate a essa doença terrível que mata tanta gente?
Algo que é bastante claro no cancro colorrectal é que, mesmo sem uma intervenção clínica, há uma reação do sistema imunitário contra os tumores. Em alguns pacientes verifica-se essa resposta imunitária através da inflamação e infiltração dos tumores, por exemplo, por células imunitárias. Nesses casos, em que se vê uma inflamação, sabe-se que as pessoas têm um prognóstico clínico melhor, vivem mais e os tumores avançam menos. Temos outros grupos de doentes em que não se verifica essa resposta imunitária, em que não há infiltração de células imunitárias dentro dos tumores e esses pacientes, normalmente, têm um prognóstico pior, morrem mais cedo. No que nos estamos a focar agora é tentar, nesses pacientes em que uma resposta imunitária não se verifica, estimular a mesma para que os tumores tenham um comportamento menos agressivo e possam ser controlados. 

Relativamente a este trabalho que tem desenvolvido e para a sua investigação é fundamental o que acabou de conquistar. Para além de poder continuar a investigar com este dinheiro que vai arrecadar é sem dúvida também um prémio de grande prestígio. 
Sim, é um prémio de grande prestígio e o que acontece com estes prémios é que trazem mais prémios. Quando uma pessoa aplica para receber um determinado orçamento para um projeto, há sempre uma secção em que temos que escrever que outros prémios é que já receberam, portanto, gostam de dar prémios a pessoas que já tenham obtido prémios. Mas o mais importante para mim é que me permite trabalhar nas ideias que eu próprio gero e isso é um privilégio muito grande, o de podermos desenvolver o trabalho a partir do que pensarmos e que as pessoas que avaliaram o prémio acharam que as nossas ideias foram suficientemente boas ou importantes para nos darem o dinheiro. 

Que próximos passos o seu trabalho dará com este 430mil euros que acabou de conseguir para a sua investigação?
Parte desse dinheiro é para pagar o meu salário porque o Instituto (Centro Médico da Universidade de Leiden) não paga os salários. Nós somos responsáveis para arranjar financiamento para a nossa própria posição e a parte que sobra vai ser totalmente dedicada à investigação. Nós pretendemos aplicar uma serie de técnicas que são bastante dispendiosas e que envolvem milhares de euros só para analisar uma amostra, mas este dinheiro será suficiente para completar o projeto que eu propus para os 4 anos.

No seu projeto de vida e profissional está também nos seus horizontes constituir um próprio grupo de investigação. Acha que nos próximos anos vai consegui-lo?
Espero que sim. Agora estou à espera do resultado de mais uma bolsa e mais um prémio e esse prémio já me permitiria contratar um estudante de doutoramento e talvez um técnico de laboratório de investigação. 

O que há em si, no seu trabalho, na sua forma de estar e na sua investigação que se relacione com aquilo que levou da Universidade do Minho?
Acima de tudo quando fui para fora senti-me bastante mais preparado do que as pessoas que estavam na mesma situação, em termos de estar confortável num laboratório, de não ter medo de experimentar coisas novas ou de pôr em prática as minhas ideias. Foi também muito importante uma cadeira lecionada no último ano do curso de oncobiologia no Instituto de Oncologia do Porto que foi essencial para me motivar para esta carreira científica. 

No essencial sente-se da UMinho também?
Sim também. 

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